“Papo Editorial” com Pedro Almeida

“Papo Editorial” com Pedro Almeida

20-07-21 | Notícias | Faro Editorial |

Como se “faz” uma editora

Tendo ministrado cursos editoriais há mais de uma década, posso dividir os interesses de quem busca esses cursos em três grupos: autores, pessoas que querem trabalhar em editoras e pessoas que querem abrir uma editora.

Sempre que vejo uma nova editora surgir, procuro saber qual foi o preparo para o lançamento da empresa: se os fundadores têm experiência, se fizeram ao menos cursos ou estágios, porque há erros comuns que ocorrem na metade das vezes em que uma editora é lançada e decretará o seu fim breve, caso não haja um financiador com um bolso sem fundo.

Nos cursos, comento sempre sobre o assunto porque ainda há uma aura de fantasia, até de diletantismo nos discursos que se pretendem originais mais são os lugares mais comuns do universo: “lancei minha editora para ocupar um espaço que ninguém está atendendo, e não há nada parecido no mercado”, diz as palavras cantadas nas notas de lançamento.

Esse é um texto que comento sempre com ironia, porque é uma forma de fixar a mensagem e captar a atenção de mais alunos (pelo menos para largar o smartphone), ou reiterar que a atividade editorial não é feita de glamour mas de muito preparo, trabalho e esforço. Quando vejo uma pessoa que não se preparou lançando uma empresa, digo mentalmente: Uma terapia sairia mais barato. Mas não falo. Pelo menos não falo mais. Há ainda quem fique chocado em ouvir um conselho indesejado, de que é preciso se preparar ou que, para criar uma editora é necessário muito mais que um pote de ouro e um cérebro carregado de dados e leituras de uma vida.

Mas vou me ater aqui a apenas um erro vulgar e foi o que eu quase cometi.

Cerca de 15 anos atrás, a agente Marisa Moura me pediu para conversar com uma autora que, ao ver seu original negado por todas as casas editoriais, teve a brilhante ideia de: ABRIR UMA EDITORA. Ela montou um escritório na avenida Paulista. Vendeu um apartamento, depois uma casa de praia. Não. Ela não se tornou corretora de imóveis. Estes foram os imóveis que perdeu para realizar o grande sonho editorial.

Há várias motivações para se montar uma editora e quase todas são compatíveis com as possibilidades de sucesso no empreendimento, no entanto, uma delas me parece crucial para o fracasso: é quando os fundadores/empreendedores possuem qualificações apenas para uma das seguintes áreas: editorial, comercial ou gestão.

Em mais de duas décadas de atuação, vi inúmeros  casos que comprovaram esse veredicto: editores que se juntam para criar uma empresa sem um braço comercial consistente, sem uma boa gestão empresarial.

É fato que qualquer empresa, mesmo com ótimo capital artístico, não sobrevive sem boa gestão. Exemplos temos aos montes de profissionais muito respeitados, reconhecidos em suas áreas, que têm o grande talento de criar uma pequena riqueza a partir de uma grande. Sim. É uma ironia, porque se gasta na produção mais do que se fatura.

Levei mais de cinco anos adiando a fundação de minha empresa, em parte de forma inconsciente, por esse motivo: não conseguia enxergar como poderia gerir tanto o comercial quanto as questões administrativas. A gestão de uma empresa é um inferno para qualquer editor. Há como terceirizar? Talvez uma parte, mas apenas se mantiver uma produção artesanal, pequena. Se a empresa cresce um pouco mais e não houver uma boa gestão administrativa, o risco de perder tudo o que construiu é gigante. Melhor continuar com o trabalho de artesão.

São impostos, custos variáveis, recebimentos que atrasam, calotes de empresas que fecham, estratégias para manter fluxo de caixa, capital de giro, negociação com bancos, previsões a longo prazo, administração de estoque com promoções e negociações para reduzi-lo ou mantê-lo num volume adequado…

Posso afirmar que é mais fácil uma editora se manter sólida sem um bom capital artístico ou editorial do que sem o administrativo e comercial. É o vemos facilmente nas empresas: quem comanda as maiores não são os editores, e isso não tem nada a ver com desvalorização da atividade, mas com o processo de “fazer funcionar”, que é comum para qualquer empresa. Editores são peças-chave nas editoras. Um livro mal escolhido, mal editado, é o início de um processo de prejuízos. Mas o maior investimento financeiro num livro acontece depois do arquivo ser entregue para a área de produção gráfica.

Numa edição, por exemplo, de 3000 exemplares, os custos gráficos costumam representar 60% dos custos de produção de um livro. Mas o problema não pára por aí (sim, não abro mão do acento diferencial). A cadeia que ele irá movimentar em todo o processo, de comercial, faturamento, estoque e negociações, num livro mal escolhido e mal editado, representará prejuízos ainda maiores quando ele sair da gráfica. Vender algo que pouca gente quer é mais difícil que milagre e o esforço dispendido nessa tarefa custa caro.

Para mim, ter exemplos concretos de cases de sucesso serviram-me mauito mais que inspiração. Antes de executar o projeto que deu origem a Faro Editorial, revisitei o plano da fundação da Editora Parábola, dos amigos Marcos (editorial) e Andrea (gestão, design e comercial) e que me deram a confiança suficiente para tentar. Eu e Diego tínhamos em comum com eles a vontade, a experiência e recursos limitados. Por quase seis anos não tiramos um centavo da editora. Gostaria e trilhar um caminho mais fácil? Claro! Pedi para nascer muito rico, mas os papéis do processo que abri contra esse erro grotesco do universo foram destruídos no inferno.

Enfim. Nosso caminho foi de contínuo reinvestimento porque o objetivo sempre foi ambicioso: ter uma editora sólida, altamente sustentável, e que conseguisse navegar com segurança neste país de constantes instabilidades econômicas.

Então, não vim trazer uma receita, mas um alerta. Querem se lançar? Preparem-se para executar as demais tarefas, ou encontrem parceiros confiáveis que o façam, senão, esperem até encontrar. Fiquei por 5 anos escolhendo títulos, logotipo, registrando marca, domínio de site, traduzindo e até diagramando livros que iria lançar no futuro até que, finalmente, chegou o momento de lançar nossa casa,  que completa 8 anos no próximo mês.

Depois dessa caminhada, posso afirmar que “fazer uma editora” vai muito além de perseguir um sonho, realizar um desejo, acreditar que se tem um bom olhar editorial, bons contatos ou querer ver seu livro publicado. Uma editora é feita a partir de histórias, mas é preciso ter os pés bem fincados no chão. Não são as conversas e pessoas interessantes que esse tipo de empresa nos permite conhecer, nem a possibilidade de publicar textos profundos e geniais que sustentam uma editora. Isso é o coração, que não é nada sem o corpo para sustentá-lo. Sim, é preciso sonhar, mas o alerta é: quem se aventura nessa seara, seja como autor ou editor, está condenado a fazer algo que provavelmente ama, mas estar disposto a um trabalho que nunca acaba.

 

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