Papo Editorial com Pedro Almeida

Papo Editorial com Pedro Almeida

18-05-21 | Notícias | Faro Editorial |

Adultos que gostam mais dos livros infantis que as crianças

Sou o único que pensa que há muito os livros infantis parecem terem sido criados para adultos? Ou, você já se deparou com um livro com toda a cara de infantil, mas com texto incompatível com a idade?

Bem, você não está sozinho, nem ficando louco! Há muitos desses livros. E geralmente são tão incensados que você acaba acreditando que realmente funcionam para as crianças.  Vou revelar uma coisa: elas não gostam. É que os que elogiam fazem muito barulho e passam a ideia de que tais livros são o que há de melhor para as crianças.

Se há uma coisa que aprendi participando como conselheiro e curador do Prêmio Jabuti é que os superespecialistas acadêmicos de uma área não são os melhores juízes para formação de leitores. Devem ser ótimos para apontar o novo, para quem tem interesse em estudos acadêmicos, mas para indicar o livro relevante para as pessoas, não, pois estão presos a aspectos técnicos.

Mas aí precisamos nos orientar sobre qual é o propósito de um livro infantil. Buscamos um livro infantil esperando que as crianças gostem e sejam, se possível, originais e interessantes, ou livros que soam bem pra nós, os adultos? Um tipo de livro ou tema que adultos acham importantes para as crianças?

Bem, encontro demais o segundo caso.  Não é à toa que, por quase 20 anos, as pesquisas sobre hábitos de leitura no país indiquem que não saímos da casa dos 50% de leitores. Mas, essa porcentagem precisa de análise: Se tirarmos os livros didáticos (que respondem pela metade dos leitores), leitores da Bíblia e as pessoas que mentem dizendo, por vergonha, que leram alguma coisa, deve sobrar uns 10% da população como leitora dos livros que não são obrigatórios ou devocionais.

É onde entra a prática dos livros para a criança.  O processo viciado é o seguinte:  Livro para um público que agrada APENAS quem os criou, os pares, os especialistas e imprensa, é a receita para afugentar leitores.

E isso, encontro também em livros para adultos.  Mas vou me ater aos voltados para crianças.

Quando um livro inadequado é enaltecido, passa-se uma mensagem ruim e que retroalimenta toda a cadeia: professores acreditam que aquilo é bom mesmo que discordem ou que não consigam animar uma aula; autores e editoras passam a alimentar o mercado com o mesmo tipo de literatura, e as crianças, público final, aprendem que livro é pior que droga.

João e Maria querem a droga do açúcar… e nós só oferecemos brócolis. Tem criança que gosta? Tem.  Mas deveria ser acompanhada por um psicólogo. Outro dia vi muita gente compartilhando, felizes, a reportagem de um menino prodígio que leu mais de 230 livros num ano. Um menino de 11 anos! (Podem procurar a reportagem). E todos os adultos felizes! Que desgraça. Se um menino de 11 anos está lendo tanto assim, ele só pode estar fugindo de algo: do bullying, da dificuldade de socialização ou, é tão carente de afeto, que tenta agradar aos pais e professores. Não é algo para ser valorizado por si. É provável que haja um problema.

E onde está nossa responsabilidade nisso?  Do tema que comentei no início. Adultos passando seus sonhos para crianças. No passado era a mãe querendo que a filha fosse bailarina, o pai que o filho fosse médico. Agora querem que leiam os livros que eles não gostavam. Se vingar nos adolescentes é a maldade do momento. Antigamente faziam isso registrando com nomes estranhos.

Eu tenho visto tanta coisa assim que precisei escrever esse artigo para me livrar de um câncer. Incômodo, quando não se coloca pra fora, passa pro corpo. Em mim, não!

Vi livro colorido de imagem, feito para crianças de 4 a 7 anos, falando de política, de ícones de movimentos sociais, alguns, estrangeiros, recebendo grande atenção e prêmios. Só podem estar brincando…

Voltemos a João e Maria? Pois é. Há outra lição para extrairmos dali. História de criança tem de ser como droga. Doce é droga. Oferece algo que pode atrair a criança e ela gosta tanto que se vicia.  Hoje, ajo como traficante. Vivo com livros no carro, na mochila, em sacolas… se acho alguém que não lê normalmente, eu saco da bolsa um livro. Geralmente tenho três para a chance de escolha e pergunto se a pessoa quer de graça (não me venham os leitores aqui chegarem perto achando que vão ganhar algo. Viciados têm de comprar!), quero é atrair, viciar e criar mercado pro futuro. É algo honroso? Não. Não é. Estou pensando só no meu futuro como editor.  Mas há efeitos colaterais: educação, formação de senso crítico, cidadania, reflexos positivos em todas as áreas da vida. Quero é aumentar esses 10%.

Não precisamos de pesquisas para entender que o caminho está errado.  Temos de ouvir o que as crianças nos ensinam quando olham para um livro e decidem folhear. Sem interferir. Dar liberdade de escolha até viciar. Depois, apresentar coisas novas, mais profundas, até enviesadas. Aos poucos. Logo, o processo se completa.

E quem sabe, este novo leitor, quando adulto, não se torne também um viciador em livros?

 

Uma resposta para “Papo Editorial com Pedro Almeida”

  1. SARAH CASASANTA disse:

    Eu penso exatamente do mesmo jeitinho! Obrigada pelo texto, adorei!

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